Ao pai, com carinho

"Quem acima de 40 anos não se lembra que o melhor pedaço de carne, o peito do frango, o primeiro pedaço do bolo pertenciam a ele?"
Patrícia Espírito Santo
E-mail para esta coluna: patriciaesanto@uai.com.br

Historicamente, a maternidade foi um encargo pesado para as mulheres (e para algumas ainda é) no que se refere à sexualidade. Por séculos, foi tida como o objetivo maior do sexo, ou seja, a relação sexual só se justificava caso se buscasse a procriação. O homem ocupava uma função mais de “coadjuvante” (como se isso realmente fosse possível): cabia a ele a fecundação e a sustentação econômica dos filhos e das mães-esposas também, “claro”.

A maternidade, assim como a relação das mães com o sexo e também com todas as outras esferas sociais, mudou muito. Um contexto demarcado por transformações sociais que levaram à maior inserção da mulher no mercado de trabalho afetou em muito o cotidiano delas, dando-lhes uma direção diferente à vida.

Do outro lado, o homem ficou sem norte, não necessariamente porque “perdeu” o poder que exercia sobre elas, mas, creio, principalmente porque assim como as mulheres, além dos encargos que já acumulava se viu diante de novas tarefas às quais não estava acostumado. A paternidade, no sentido de ser pai e não apenas provedor, foi umas delas, e talvez a tarefa que passou a exigir maior investimento por parte dele.

O homem que tinha em si o ponto central de sua vida (ou, melhor dizendo, era ele o ponto central da família) passou a buscar sua referência no outro. Quem acima de 40 anos não se lembra de que o melhor pedaço de carne, o peito do frango, o primeiro pedaço do bolo pertenciam ao pai? O que restava era para ser dividido entre os filhos. A mãe, sacrifício nato, não se importava em ficar com os farelos, desde que visse o marido e a prole satisfeitos. Ninguém se assentava à mesa antes dele e muito menos lhe levantava a voz, mudanças que, confesso, acho que poderiam ser revistas e melhor dimensionadas.

Muitos pais hoje vivem para os filhos, pelos filhos e “nos” filhos. A função paterna passou a se concentrar principalmente na afetividade (o que foi um grande ganho). Já viu como hoje é fácil ver um pai demonstrar publicamente seu amor ao filho e esse quase morrer de tanta vergonha diante de tanto afeto? A paternidade, de certa forma, passou a nortear também a existência masculina, mas também não precisava tanto.

As transformações familiares afetaram as relações interpessoais e vice-versa. Os pais que viveram e vivem essas transformações têm a função de proporcionar às novas gerações valores e crenças que lhes auxiliem a refletir sobre os modelos de conduta e a buscar as melhores alternativas para construir seus relacionamentos afetivos com aqueles que lhes são e serão mais íntimos. Hoje, os jovens vivem em meio a gerações de bisavós, avós e pais e têm a oportunidade de presenciar todo tipo de questionamento, dúvida e anseio relacionados à vida pessoal, familiar e social em seu sentido mais amplo. Que saibamos, então, aproveitar ao máximo os nossos pais.

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