Lei Maria da Penha diminui tolerância à violência



Em entrevista ao Bom Dia Ministro realizado nesta quarta-feira (6), a ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, fez um balanço da Lei Maria da Penha, que completa dois anos nesta quinta-feira (7). O programa, produzido pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República, é transmitido via satélite a rádios de todo o País.



Veja abaixo os principais trechos da conversa.


Lei Maria da Penha - Ainda não temos nenhum dado que nos permita dizer que houve uma diminuição das agressões. Temos, sim, alguns indicadores que nos permitem dizer que diminui o número de reincidências, já que a sensação de impunidade cessa. Por outro lado, temos uma percepção na sociedade de que a violência contra a mulher não é mais tolerada. Há um conhecimento muito grande por parte da sociedade da existência da Lei. Na Central de Atendimento à Mulher, tivemos um aumento de 223% nas chamadas solicitando informações sobre a Lei. Isso significa que as pessoas sabem que a Lei existe.


Lei Maria da Penha e os municípios - Estamos trabalhando com o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. É uma agenda do governo federal onde nós, juntamente com estados e municípios, estamos elaborando projetos para prover no Brasil uma rede de serviços especializados no atendimento às mulheres em situação de violência. No primeiro semestre do ano, através do Ministério da Justiça, foram liberados cerca de R$ 10 milhões para ampliar tanto o número de varas especializadas no julgamento de casos de violência contra a mulher quanto o de defensorias públicas. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres liberou o mesmo montante até o dia 30 de junho para a construção de centros especializados de atendimento, casas-abrigo para aquelas mulheres em situação de risco. A Senasp (SecretariaNacional de Segurança Pública) já está recebendo as demandas para reaparelhamento e ampliação das delegacias. O Pacto visa justamente dotar o País dessa rede que permitirá a efetivação da lei Maria da Penha. O valor liberado foi aplicado nos projetos que foram encaminhados. Não é o valor total. Temos um valor no PAC de R$ 1 bilhão para executar até 2011. Por estarmos em ano eleitoral, trabalhamos só até o dia 30 de junho. Os projetos que não puderam ser pagos até esse dia serão retomados depois do período eleitoral. Certamente, um montante muito maior que esse será liberado tanto por nós quanto pelo Ministério da Justiça e Ministério da Saúde.


Divulgação da Lei - Estamos trabalhando neste momento na divulgação da Lei Maria da Penha. Quanto mais pessoas conhecerem os instrumentos, mais assimilada passa a ser essa nova norma social. É um importante serviço a divulgação do número da Central de Atendimento à Mulher (o número 180). A questão das medidas protecionistas também é muito importante. Quando a autoridade policial está bem conectada à autoridade do Judiciário, essas medidas protecionistas são absolutamente importantes e podem salvar vidas. Muitas vezes a mulher fazia uma denúncia e ela mesma tinha que levar o boletim de ocorrência para casa. Agora, o agressor pode ser afastado, pode haver busca e apreensão de armas dentro de casa.


A Lei e a sociedade - O maior trunfo da Lei é a apropriação pela sociedade de uma nova regra. A grande comemoração é que hoje, no Brasil, todo mundo sabe que existe uma lei e que não se pode mais agredir as mulheres. Com ela, podemos discutir na sociedade as conseqüências da violência contra a mulher. Essas conseqüências não se restringem à mulher vitimada, mas elas se espalham por toda a família e comunidade. A violência contra a mulher tem impacto econômico, na saúde, no aprendizado infantil. É importante que se tenha clareza que a violência contra a mulher, apesar de ter uma especificidade, não está desconectada com as demais violências na sociedade. O ambiente permissivo à violência transborda de casa para a rua e da rua para casa. Portanto, se queremos uma sociedade harmônica, isso tem que começar dentro de casa. Outra grande conquista da Lei Maria da Penha foi a própria imposição para que o Estado brasileiro assumisse seu papel no enfrentamento da violência. Falamos muito do aspecto punitivo, mas a Lei preconiza medidas preventivas e o estabelecimento de serviços junto à União, estados e municípios.


Lei Seca e a violência - Ainda é muito cedo para avaliar a diminuição nas agressões, mas é bastante provável que também haja um impacto na questão da violência contra as mulheres. Não concordamos com a sugestão de que os homens agridem porque bebem, mas entendemos que o álcool é um facilitador. Estamos monitorando os hospitais, juntamente com o Ministério da Saúde, por meio do sistema de notificação das violências para procurar saber se a diminuição da ingestão alcoólica tem alguma correlação com uma provável diminuição da agressão doméstica.


Mulher e o lar - A lei é para que nenhuma mulher precise abandonar a sua casa porque foi agredida. Quem tem que sair é o agressor. A mulher tem que continuar com os filhos, protegida pela lei.


Novela e violência - Acredito que a sociedade brasileira está menos tolerante com a violência contra a mulher. Havia, de certa maneira, uma autorização, porque se entendia que dentro do lar quem mandava era o homem. Portanto, se as coisas não saíssem como ele queira, podia castigar a mulher. É claro que explicitamente ninguém achava isso correto, mas havia uma autorização tácita. Hoje, é praticamente impossível que alguém diga que é normal dentro de uma relação que a mulher seja agredida, física ou psicologicamente, pelo seu marido. É importante salientar que não é qualquer briga de casal que é coberta pela Lei Maria da Penha. Estamos falando de uma violência que é sistemática, que pode ser feita, sim, através da desqualificação da mulher, como se tem visto em alguns episódios de novelas, por exemplo. Havia um casal em que a mulher vinha sendo oprimida e desqualificada. Isso causa danos à saúde psicológica da pessoa, que muitas vezes é mais danoso do que a própria agressão física. Já parabenizei (o uso de personagens de uma novela atual em que a mulher é agredida física e moralmente pelo marido) porque o tema está sendo muito bem abordado. Eu diria que aquela situação é muito típica, é praticamente padrão. Em entrevista, a atriz que representa a personagem disse que ela vai virar a mesa. Acho que ali é prestado um serviço importante, pois chega na casa de muitas pessoas. Há um choque muito grande na sociedade com certas imagens de agressão, que causam forte comoção no público. Porém, a personagem mostra, também, o papel da mulher na estrutura familiar, quando vai contra o marido para defender o filho, mostrando uma força muito grande que existe, que é a força da mãe.


Violência doméstica - Uma situação padrão nos casos de violência doméstica é a mulher suportar as agressões até o momento em que elas começam a atingir os filhos. Muitas mulheres dizem o basta naquele momento em que percebem que aquele ambiente está prejudicando seus filhos ou que a agressão extrapola para os próprios filhos. É importante que, no ambiente escolar, os professores que perceberem um comportamento retraído, baixo aproveitamento escolar por parte de um aluno, aproximem-se para verificar se ele não está sendo vítima de um ambiente de agressão dentro de casa.


Diferenças regionais – Ainda temos um longo caminho. Entendemos que há diferenças regionais que precisam ser observadas na definição das políticas. Estabelecemos no ano passado o Fórum da Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta. Vamos lançar, ainda neste semestre, um amplo processo de mobilização para atingir as trabalhadoras rurais, porque são realidades muito diferenciadas. É preciso trabalhar uma linguagem diferente. As distâncias são enormes, as pequenas comunidades ribeirinhas não são atendidas pela autoridade policial. Estamos elaborando toda uma estratégia, que será anunciada logo após as eleições. Semana que vem, receberemos a Marcha das Margaridas, que vem fazer o seguimento de sua pauta de reivindicações. Foi através da pauta da Marcha que estabeleceu-se esse fórum. Portanto, entendemos que houve avanços, mas ainda temos muito por fazer.


Judiciário e a Lei - Há um nó no âmbito judiciário. Muito embora haja esforços louváveis dos tribunais de Justiça, ainda temos poucos juizados e varas especializadas na violência contra a mulher. Evidentemente, isso causa um acúmulo de processos nas varas criminais, o que contraria nosso objetivo de processos ágeis, com a questão criminal e cível na mesma instância. É um grande desafio a instalação das instâncias no Judiciário. E outro desafio permanente é mudar a cultura. Tivemos uma situação no interior da Paraíba, onde um grupo de mulheres constituiu uma cooperativa. A líder dessa cooperativa passou a ser ameaçada pelo seu marido. Mesmo com a separação, as ameaças continuaram. O juiz, então, decretou sua prisão preventiva há algumas semanas. Isso significa que ainda há um machismo muito forte na sociedade brasileira. Esse marido não pôde suportar que a sua mulher, através de um esforço enorme com outras mulheres daquela comunidade, tivesse um empreendimento de sucesso, que, aliás, foi premiado por nós no Prêmio Sebrae Mulher Empreendedora.


Campanhas - Campanha não pode ser feita durante apenas um período, tem que ser reforçada a todo momento. Estamos distribuindo um ímã de geladeira com o 180, número da Central de Atendimento à Mulher, para cada mulher colocar na sua geladeira e se lembrar todo tempo que pode recorrer e buscar informações. Temos que aproveitar qualquer oportunidade para discutir a violência e suas causas. Não podemos esquecer que a violência é fruto da desigualdade. Juntamente ao Ministério da Educação, estaremos distribuindo já neste semestre o curso Gênero e Diversidade na Escola, através da Universidade Aberta do Brasil. Vamos trabalhar com 14 mil professores de 5ª à 8ª série.Vinte e oito mil universidades brasileiras apresentaram o edital. Semestre que vem serão ainda mais, porque achamos que a igualdade também se aprende na escola.

Fonte: Boletim Em Questão

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