Vivíamos até outro dia em um País com meia dúzia de formadores de opinião, desde sempre encastelados na imprensa de papel, quer dizer, em jornais e revistas. Para a direção que eles indicavam, o chamado povo deveria seguir, reproduzindo seus pensamentos, gostos, preferências e votos, automaticamente.
Senhoras e senhores, devo informar que este tempo acabou. Opinião pública deixou de ser sinônimo de opinião publicada, como ficou bem provado já nas eleições presidenciais de 2006.
Com seu governo encurralado nas cordas pela grande mídia nacional durante meses seguidos, na mais longa crise política da história recente, o presidente Lula acabaria se reelegendo com mais de 60% dos votos.
À parte o carisma do presidente e sua fantástica capacidade de sobrevivência em situações adversas, praticamente desde que nasceu, o fato é que algo de novo estava acontecendo em nosso País.
Como não tivemos nenhuma reforma política, e os meios de comunicação impressos e eletrônicos continuavam nas mãos dos mesmos donos mantendo suas mesmas opiniões, este fato novo só pode ter sido conseqüência de uma democratização das fontes de informação, matéria prima para a formação da opinião pública.
E como isso se tornou possível? Não disponho de pesquisas nem estudos científicos. Mas, como repórter que vive viajando por todo canto neste País, arrisco dizer que foi a internet o instrumento utilizado por largas camadas da população para virar o jogo.
Elas se tornaram ao mesmo tempo produtoras e receptoras de informação, quer dizer, simultaneamente fontes e leitores, não mais meros consumidores passivos das opiniões alheias.
De lá para cá, houve um crescimento vertiginoso dos brasileiros com acesso à grande rede da internet, o que pode ser comprovado pelos números da pesquisa Datafolha publicada segunda-feira no “Meio e Mensagem”.
A pesquisa foi feita apenas com maiores de 16 anos, ou seja, todos eleitores, e apurou índices que me surpreenderam e corroboram o que escrevi acima:
• O Brasil tem hoje 59 milhões de internautas, cerca de um terço da sua população.
• Quase a metade dos adultos (47%) já tem acesso à internet.
• Dois em cada três internautas (67%) navegam nos equipamentos instalados em locais públicos.
Sem muito medo de errar, podemos dizer que, em relação às eleições gerais de 2006, praticamente dobrou o número de eleitores com acesso à internet. Esta é, portanto, a primeira eleição municipal em que teremos o uso intensivo da web tanto por candidatos como por apoiadores e eleitores.
Acrescente-se a isso uma revelação feita por outra pesquisa recente do Datafolha sobre o comportamento dos jovens brasileiros: na faixa entre 16 e 22 anos, a internet já superou a TV como principal fonte de informação.
E mais: na grande maioria dos quase seis mil municípios brasileiros, fora dos grandes centros, os candidatos não têm acesso ao horário gratuito do rádio e da televisão, a melhor forma que encontramos, antes do advento da internet, para que todos possam apresentar suas propostas.
Poder político, poder econômico e poder da comunicação costumam andar de braços dados principalmente nos períodos eleitorais, quando entram em jogo interesses de toda ordem, exacerbando um quadro de abusos e privilégios. Quem pode denunciá-los? Os próprios cidadãos-eleitores, por meio da internet.
E como fica o jornalista nesta história? Simplesmente, faltam-nos pernas e, muitas vezes, iniciativa e disposição para ver o que acontece nas campanhas nos grotões do Brasil, onde a imprensa ainda está atrelada a grupos políticos oligárquicos habituados a agir acima e fora da lei.
Muitas vezes, não se trata apenas do atrelamento político-partidário que coloca jornais e emissoras a serviço do poder municipal.
Trata-se de uma simples questão de sobrevivência, já que as Prefeituras são os principais _ quando não únicos – anunciantes destes veículos.
O controle das Prefeituras sobre os meios de comunicação convencionais, somado ao enorme poder do chefe do executivo que é candidato à reeleição, nos dá uma idéia de como é cada vez mais difícil a vida dos candidatos de oposição, impedindo o surgimento de novas lideranças.
Enquanto escrevo, num breve intervalo para o café, dou uma olhada nas últimas notícias e leio no portal da “Folha”: “Disputa eleitoral em Alagoas é na bala”, diz secretário de Defesa Social. Sem meias palavras, diz Paulo Rubim, o secretário alagoano: “em Prefeituras e regiões onde estes políticos (envolvidos com a pistolagem) têm base eleitoral, não há disputa pelo voto. A disputa é na bala. Nestes municípios nem se criou oposição, não há partido de oposição que forme um líder. Se alguém começa a se manifestar, desaparece”.
Pois é exatamente diante deste quadro de vale tudo que a internet se torna cada vez mais um instrumento vital para a democratização das informações e a denúncia dos abusos.
Mas regras recentemente estabelecidas pelo TSE apontam na direção contrária: procuram restringir o uso da internet na campanha eleitoral, limitando seu uso aos sites oficiais dos candidatos, como se fosse possível controlar milhões de mensagens a cada dia colocadas para circular na grande rede.
Parece praga: cada vez que a própria sociedade cria seus instrumentos para participar do processo e fortalecer a democracia, sem os antigos intermediários, o poder público cria dificuldades para perpetuar as facilidades de quem não quer largar o osso.
Por isso, acho que temos a obrigação de contribuir, cada um na sua área e dentro dos seus limites, para que a democracia seja não apenas de fachada, mas uma razão de vida na construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
Eleitor, só tem um jeito de não reclamar depois: defenda-se! A internet é a nossa silenciosa e pacifica arma, cada vez à disposição de mais brasileiros.
Fonte: Último Segundo/iG
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