Estamos cegos

O brasileiro consome à base de crédito, de resto caríssimo. O combate aqui deveria ser à base de restrições do crédito no mercado interno
Sacha Calmon - Advogado tributarista, coordenador da pós-graduação em direito empresarial da Faculdade Milton Campos
Outro dia, um jovem executivo do setor financeiro dizia que o Banco Central (BC) se tornou referência de política antiinflacionária. Com dizer isso, decerto deplorava o BC norte-americano (duplo mandato: combate à inflação e desenvolvimento econômico) e os BCs europeu e japonês (os três grandes pólos econômicos), sem falar no chinês, que também reluta. Nunca ouvi besteira maior. A uma, porque o Japão e os Estados Unidos têm taxas negativas de juros para incentivar a economia ao consumo, a produzir mais e a investir, em que pese estarem a sofrer o peso da “inflação de custos” provocados pelo petróleo, os minérios e os alimentos. A duas, porque o BC europeu subiu 0,25% em sua taxa para 4,25% diante de uma inflação de 4% anualizada, mas no dia 6 de agosto a manteve inalterada. O BC inglês tampouco mexeu nos seus 5%. A três, porque o que está reduzindo a demanda no Brasil – tão fraquinha – é a própria inflação. O brasileiro é muito baldo de recursos. Consome à base de crédito, de resto caríssimo. O combate aqui deveria ser à base de restrições – sintonia fina – do crédito no mercado interno. No campo externo, só dá mesmo para esperar a diminuição da especulação com as commodities que ocorrerá com a valorização do dólar, resolvendo de passagem a deterioração de nossas exportações. Logo o dólar estará a R$ 1,50, é irreal! Algo está errado na teoria do presidente do BC, Henrique Meirelles.

Por enquanto, o BC brasileiro é referência mas noutro campo, o de manter alta a relação dívida pública-Produto Interno Bruto (PIB). A dívida pública federal interna chegou a R$ 1,247 trilhão no final do primeiro semestre/2008. Com as lambadas de 0,75% na taxa Selic, a dívida total chegará ao final do ano à volta de R$ 1,440 trilhão, se juntarmos a interna com a externa. Em maio, a dívida em títulos do Brasil era de R$ 1,337 trilhão. Em junho, era de R$ 1,343 trilhão. Este ano, a dívida total agravar-se-á com o desvario monetarista do BC! Em 50% do PIB? Isto se ele for de R$ 2,9 trilhões. Meirelles quer o país em recessão, ao contrário dos EUA, da Europa e do Japão, que querem crescimento.

O Brasil tem cinco problemas e um problemão. São problemas: os juros altos, tanto os primários quanto os secundários; a enorme carga tributária ou 40% do PIB para sustentar tamanho endividamento; a deficiente infra-estrutura; o péssimo nível educacional da população economicamente ativa (PEA) e dos estreantes; o câmbio superapreciado (estamos no nível da maxidesvalorização de FHC, no início do seu segundo mandato). O problemão são os economistas monetaristas, a ganhar milhões com a ciranda financeira e a disseminar mentiras pelos meios de comunicação. O melhor seria exportá-los para os EUA, para resolverem os problemas de lá. O BNDES, ainda bem, financia a formação de capital fixo a 7,5% ao ano e concedeu R$ 80 bilhões em crédito à produção. Enquanto isso, e não vai demorar muito, nós, contribuintes, teremos que arcar com o financiamento da dívida pública federal, acelerada pelo BC, que não está nem aí para as nossas agruras. A maior debilidade da economia nacional na atual quadra histórica, que tudo o mais é positivo – em que pese os problemas há pouco referidos e que podem ser solucionados com o crescimento econômico –, é justamente a relação dívida pública-PIB. É ela a maior vilã. Este ano, ela nos custará um dinheirão. O duro é pensar que tudo vai parar nos bolsinhos dos aplicadores, os rentistas, os que se regozizam com a Selic alta. Serão R$ 170 bilhões.

Com este dinheiro, vocês já pensaram o que o país poderia fazer pelos seus filhos? Poderíamos melhorar a infra-estrutura, diminuir a arrecadação tributária, investir em saúde e educação, e ao longo de cinco anos alcançar um invejável nível de crescimento econômico e social, com esforços na livre-iniciativa e na responsabilidade social. Por que no Brasil os juros primários são os mais altos do mundo, entre os países desenvolvidos e emergentes? Não me venham com gastos de governo e PIB potencial, seria grotesco. A questão é que o nosso piso sempre foi muito alto por barbeiragem do BC. No “grid da largada”, sempre estivemos na pole position! Se a relação dívida-PIB não é alta, o país pode reduzir a tributação, facilitando o investimento e o consumo. Os dois devem caminhar juntos: um incentiva o outro, gera renda e emprego, o círculo virtuoso. No entanto, o “choque externo do petróleo e commodites” apavorou o BC. Resultado, correu lépido para o aumento da Selic. Receita de pároco. Água benta e oração. E não está resolvendo coisa alguma. Homens medrosos e ortodoxos são sempre muito perigosos!

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