Aline



Foto: Divulgação

Aline fez 15 anos. Teve vestido branco de festa, flores de renda nos cabelos, sapatos cor de Aline de salto um pouco alto. Estava linda e feliz nas fotografias.
Aline é o retrato da boa vontade. Ajuda em tudo o que pode, faz comida, arruma a casa, conversa e faz carinho nos irmãos menores. É a mais querida da casa.
Aline vive numa casa abrigo desde onde sua lembrança alcança. Já teve dezenas de irmãos, crianças que chegam, convivem anos como verdadeiros irmãos e depois desaparecem de sua vida. Às vezes são adotados ou tem outros destinos. Aline permanece na casa.
Com os irmãos de agora ela olha os retratos da festa recente e comenta sobre a “família”, coisa de irmãos...
- Olha o padre José, ele bem aqui. A irmã da tia Milu, a tia Vera. Aqui a tia Milu... a tia Carlinha...
W. e M. estão há 4 anos vivendo na casa com Aline. Eles ficam sempre assim, junto dela. Na hora de arrumar o quarto ela pergunta:
- Quem vai me ajudar?
E os dois vêm correndo:
- Eu, eu, eu....
- É tão ruim quando algum deles vai embora... a gente sente muita falta... porque a gente que cuidou, ajudou a cuidar, né? Deu todo carinho... aí eles vão embora e a gente fica um pouco triste.
W. vem e abraça Aline, não quer que ela fique triste.
- Aline, você tá chorando? Não chora não...
- Não tô chorando...
Aline sempre se preocupou em ajudar a mãe social a cuidar dos meninos menores. A casa funciona assim: a mãe social vem morar, junto com a família dela, na casa. Todas as crianças são tratadas como se fossem irmãos, todos filhos daquela mesma mãe. Mas esse é apenas um emprego, muita coisa acontece no meio do caminho e assim uma mãe vai, outra mãe vem.
- Aline, quantas mães você já teve?
- Quatro. A Elza, a Lourdes, a Virgínia...
- De qual mãe você mais gosta?
- Ah... todas foram legais... mas a que eu mais gostei, mais acostumei, foi a Virgínia.
Virgínia também acabou indo embora e hoje é Cleide quem está no papel da mãe social.
- Quando a Virgínia foi embora, foi um tempo, assim, que todo mundo era desanimado, sabe? Todo mundo sentiu falta dela, cada um sentiu um pouco. Eu senti bastante, ainda sinto, o W. também, mas eu tentei ajudar, né? Ajudei o pessoal que tava chegando, porque eu percebi que eles precisavam se entender com as crianças... mas eu ainda sinto falta dela, ela liga pra mim, eu falo com ela no telefone... eu ainda chamo ela de mãe.
A mãe verdadeira de Aline desapareceu há muitos anos. Aline já foi ao Fórum ver o histórico de sua vida e está decidida a procurar pela mãe.

Sem mágoas, sem rancor, uma menina de 15 anos, na cidade de São Paulo, procura pela mãe, para assim, um dia, descobrir quem é

- Você tinha quantos anos na última vez em que viu sua mãe?
- Ah, eu não lembro. Assim, acho que uns cinco ou seis anos, por aí. Foi bem pouco tempo que ela ficou me vendo... porque sempre que marcava visita ou ela não podia ir, ou chegava atrasada, sempre não dava pra ela ir...
- Então você não viu muitas vezes a sua mãe?
- Não, vi poucas vezes...
- Você só sabe isso: que com nove meses você já estava numa instituição?
- Hã... hã... e que toda vez minha mãe desaparecia um tempo, aí me colocavam pra adoção. Eu vi um processo cheio de pessoas querendo me adotar. Isso eu achava legal porque vinha casal adotar as outras crianças e eu falava, será que ninguém quer me adotar? Mas agora eu descobri, né? Que teve um monte, um monte de gente querendo me adotar, só que aí minha mãe aparecia... e sumia, aí não podia ser adotada, o juiz não deixava, né?
-E como é que você se sentiu quando viu que tinha um monte de gente querendo te adotar?
- Ah, por um lado eu fiquei feliz, né? Porque nossa... teve esse tanto de gente querendo me adotar eu vejo que eu poderia ter tido uma família, né? Mas eu sou feliz aqui, aqui eu posso estudar, posso ter um lar pra mim.
A festa dos 15 anos, as redações da escola, os desenhos que faz desde criança, o vestido branco, os amigos, os tios, tudo Aline sonha, um dia, mostrar para a mãe.
Desde o ano passado ela busca as marcas da sua história. No Fórum, encontrou três livros que contam a trajetória da sua vida. Sem mágoas, sem rancor, uma menina de 15 anos, na cidade de São Paulo, procura pela mãe, para assim, um dia, descobrir quem é.
- Eu gostaria de encontrar minha mãe pra conversar com ela e pra saber... tipo, pra eu conversar com as minhas amigas e falar: “Ó, essa é que é a minha mãe...”
- E, quando você encontrar a sua mãe, o que você quer conversar com ela?
- Ah, primeiro quero dar um abraço bem forte nela, né? Porque sinto falta dela e perguntar, né? Saber um pouco da minha vida...

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