O Uso de Algemas

Em nome do combate ao crime e à impunidade, não pode haver abusos e arbitrariedades
Leonardo Isaac Yarochewsky - Advogado criminalista, professor de direito
Na sessão de 7/8, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, por unanimidade, o julgamento de um pedreiro que havia sido condenado a 13 anos e seis meses de reclusão por homicídio qualificado. Até aí nada de especial. A novidade está no fato de que o julgamento pelo soberano Tribunal do Júri foi anulado porque, durante a sessão, ele, então acusado, foi mantido algemado no banco dos réus. Vários ministros do STF criticaram veementemente os abusos no emprego indiscriminado de algemas. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do habeas corpus que anulou o julgamento, afirmou que manter um réu algemado durante o julgamento contraria a Constituição Federal, porque é preciso considerar o princípio da não-culpabilidade. “É certo que foi submetida ao veredicto dos jurados pessoa acusada da prática de crime doloso contra a vida, mas que merecia o tratamento devido aos humanos, aos que vivem em um Estado democrático de direito”, disse Mello. Em seu voto, ele cita outras decisões do próprio STF em que a adoção de algemas é condenada como regra, pois se trata de medida extrema, que afeta os princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão.

Nunca é demais lembrar que a Constituição Federal veda o tratamento desumano e degradante, porque, como bem salientou o ministro Carlos Ayres Britto, equivale, nesse caso, a aviltante e humilhante, principalmente quando o preso algemado é exibido à sociedade como um troféu. Outro princípio constitucional que não pode ser desprezado é o da presunção de não-culpabilidade ou de inocência, segundo o qual ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. A ministra Cármem Lúcia, relatora em julgamento de outro habeas corpus (HC 89.429-1/RO), já havia se manifestado no sentido de que “o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado com a finalidade de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, terceiros ou a si mesmo”.

É bom que se diga que a decisão do STF que anulou o referido julgamento diz respeito a uma pessoa simples, um pedreiro. Portanto, antes que algum desavisado se manifeste em outro sentido, a decisão não foi tomada para beneficiar empresário, banqueiro ou político, mas para garantir o direito de todo e qualquer cidadão – rico ou pobre, católico ou protestante, branco ou negro – de ser tratado dignamente. O STF aproveitou o julgamento para editar uma súmula vinculante sobre o uso de algemas, o que obriga a todos os juízes, bem como à administração pública, a seguir o entendimento da Corte. Em boa hora, o STF, guardião da Constituição Federal, impõe limites aos abusos e arbitrariedades que vêm sendo cometidos, aqui e acolá, em nome do combate ao crime e à impunidade.

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