Questão de ordem



Os brasileiros têm assistido perplexos nos últimos dias aos exemplos de brutalidade e despreparo policial que assolam o Rio de Janeiro e fazem vítimas como o menino João Roberto, o motoboy Edson Vaz do Nascimento, entre tantos outros. Assistimos ainda à morte de oito supostos traficantes em uma “bem sucedida” ação policial na favela Minha Deusa e a brutal morte de dois policiais em serviço no pacato Leblon. Casos como estes são apenas alguns dos milhares de homicídios que ocorreram nos primeiros meses do ano no Rio de Janeiro, com destaque para os mais de 500 assassinatos cometidos por policiais em serviço entre janeiro e abril. O que estes casos e números atestam, mais uma vez, é que a chamada política de confronto do Governador Cabral só faz aumentar a violência e o medo na cidade. Os dados são tão chocantes que o próprio governador se disse assustado, incapaz de reconhecer a cidade que ele está governando.
Polícias, principalmente as militares, respondem a comandos claros. No caso do Rio, o comando foi claro: atirar antes e, eventualmente, perguntar depois. As mortes de inocentes que vimos nas últimas semanas não correspondem a ações isoladas da polícia. Vários setores da população (principalmente aqueles que raramente são vítimas da violência policial) não se cansam de aplaudir quando “traficantes” morrem em ações espetaculares ou mesmo banais, nos morros.
Política de segurança nunca deve ser feita com base em pesquisas de opinião. Não podemos admitir que um governador “jogue para a platéia” e se “indigne” quando colhe os frutos da política que plantou.
A boa política de segurança, em Bogotá, Nova Iorque ou São Paulo – os casos mais bem sucedidos do continente nos últimos 20 anos – começa por limpar a corporação, estabelecendo regras claras sobre o uso da força e combatendo fortemente a corrupção. Providências têm de ser tomadas para garantir que os policiais que desonram a corporação sejam presos ou pelo menos expulsos. Ações têm de ser feitas no campo do recrutamento, treinamento e valorização interna para que os bons policiais cresçam rapidamente e passem a ser exemplos para toda a tropa. Fundamentalmente todos os policiais, bem como a população em geral, precisam saber que o comando mudou e que a ordem máxima é o respeito à lei. Só quando a lei é respeitada começamos a ver mudanças na relação entre sociedade e polícia e melhoras nos índices criminais.
Há dois caminhos claros que se colocam para o Governo do Rio neste momento: defender o indefensável e torcer para que os casos nas áreas ricas da cidade parem de acontecer - para que pare também a indignação da classe média - ou estabelecer, no discurso e na ação, que foi atingido o limite e que a polícia tem de parar de matar. Certamente a ordem sozinha não será suficiente, mas inegavelmente será o primeiro passo para a construção de uma sociedade onde não se aguarde amedrontado a “tragédia” do dia seguinte.

Denis Mizne, 32, é bacharel em direito pela Universidade de São Paulo, com pós graduação nas Universidades de Columbia e Yale. É Diretor Executivo do Instituto Sou da Paz.

Este artigo foi publicado dia 25 de julho, no Jornal da Tarde de São Paulo



Por: Sou da Paz



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