Cláudio Macedo de Souza, Doutor pela UFMG e professor de Direito Penal. Pesquisador do CNPq
Discute-se no Brasil emenda constitucional que obrigue maiores de 16 anos e menores de 18 anos a cumprir pena de prisão caso tenham cometido crimes hediondos, como o homicídio qualificado. Adotam um critério psicológico, submetendo o menor a um laudo técnico para atestar a sua plena capacidade de compreensão em relação ao ato ilícito praticado. Já havíamos sugerido uma espécie de responsabilidade penal diminuída para os adolescentes com idade entre 16 e 18 anos com base em critério psicológico, tendo em vista que no Brasil foi adotado um critério puramente biológico para a aferição da inimputabilidade. Mas, as reformas devem ser encaminhadas com cuidado. A relativização da legalidade é a primeira etapa de um processo que converte vingança em fator de intolerância, levando conquistas democráticas para o lixo. O direito penal moderno não pode, tendo por base uma culpabilidade fundamentada no princípio da dignidade humana, presumir de forma absoluta por meio de um critério puramente biológico que todo menor de 18 anos é incapaz de compreender e de escolher entre o certo e o errado. Mas também não se pode, impelido pelos impulsos da vingança, desrespeitar os procedimentos legais do Estado de direito, porque os intolerantes sempre estão prontos para novas oportunidades fascistas. É desnecessário lembrar que a revisão constitucional prevista no Ato das Disposições Transitórias esgotou-se. Agora só existe o processo das emendas do artigo 60 da Constituição da República, do qual se utilizou o Senado.
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A controvérsia sobre a emenda reside em saber se o poder de reforma pode atingir qualquer dispositivo da Constituição. Há algumas limitações explícitas que compreendem a exclusão de determinadas matérias do poder de reforma. Ou seja, os direitos e as garantias individuais são explicitamente imodificáveis na via da emenda. O Senado foi em direção à modificação do artigo 228 da Constituição. A discussão que se formou em torno do tema merece dupla análise, pois é possível fazer distinção entre o instituto da maioridade penal e o termo inicial de 18 anos da plena maioridade. Com relação ao instituto previsto no artigo 228 da Constituição, é indispensável que se dê à maioridade penal o caráter de direito individual contra a fúria punitiva do poder estatal. É claro que o texto do artigo 60 não proíbe apenas emendas que declarem explicitamente, por exemplo, a abolição do direito à liberdade do cidadão. Mas a vedação atinge também a pretensão de modificar qualquer dispositivo constitucional que direta ou indiretamente restrinja a liberdade. A interferência do Congresso Nacional no instituto da maioridade penal previsto no artigo 228 poderia trazer reflexos à liberdade do adolescente, pois indicaria tendência em reduzir ou mesmo excluir um direito fundamental, imodificável por emenda. E toda modificação constitucional realizada com desrespeito ao preceito de que não possa ser objeto de emenda, padecerá de vício de inconstitucionalidade. É inquestionável que os direitos individuais não se esgotam nos incisos do artigo 5º, mas se espraiam por todo o texto constitucional. Apenas um rompimento integral da Constituição vigente possibilitará a alteração das regras pertinentes ao instituto da imputabilidade penal. Tal rompimento importaria na convocação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte, porque nada justificaria, em nome da segurança, o menosprezo pela pessoa e o desprezo aos direitos. Assim, o instituto da maioridade, que é sim cláusula pétrea, porém deslocada do artigo 5° da Constituição, como tantas outras já reconhecidas pelo STF, deve ser eternizado para garantir sempre a aferição da mínima capacidade de responsabilização penal. O instituto distingue-se, contudo, do seu termo inicial de 18 anos de idade. Em 2003, o Projeto Legislativo 1.002 que convocava um plebiscito nacional para que o eleitor se manifestasse sobre a alteração da maioridade penal para 16 anos, foi considerado inconstitucional pela CCJ. Segundo o relator do projeto, a alteração da idade era cláusula pétrea, e, por isso, inalcançável por emenda. Entretanto, não se pode permitir que o termo inicial da maioridade penal engesse o ordenamento jurídico frente às transformações sociais. Modernamente, já se defende quanto às técnicas legislativas a não utilização de termos relacionados a limites temporais, como por exemplo, a idade, no texto constitucional. Diante disso, seria tarefa do legislador infraconstitucional adaptar o termo inicial para a maioridade penal aos dias atuais, sem necessidade de alteração constitucional. Assim sendo, consideramos que o termo inicial de 18 anos para a maioridade penal não pode engessar o sistema de responsabilidade penal, pois o direito deve ajustar-se ao contexto histórico-cultural da sociedade brasileira. Percebe-se, hoje, que menores de 18 anos praticam infrações com os mais variados requintes de crueldade, e com total capacidade de discernimento. Portanto, não se pode emprestar ao termo inicial de 18 anos da maioridade penal, o caráter de cláusula pétrea. Corrobora com este entendimento o artigo 50 do Código Penal Militar que prevê uma responsabilidade penal diminuída para o agente de 16 anos de idade. Vê-se, aqui, que o instituto da maioridade penal está sempre garantido, mas não o seu termo inicial, que depende de outros elementos da culpabilidade.
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