O programa Entrevista Record da última terça-feira (29), tratou da expansão da classe média no Brasil e das mudanças na economia brasileira. O jornalista Paulo Henrique Amorim entrevistou o diretor-executivo de marketing parceria e novos negócios da Cetelem no Brasil, Frank Vignard Rosez.
A Cetelem, braço do banco francês BNP Parribás que faz análises de consumo, realizou um estudo que mostra a expansão da classe média no Brasil nos últimos três anos.
As classes A e B, somadas, passaram de 15% da população brasileira em 2005, para 18% em 2006 e caíram para 15% em 2007. A classe C, a nova classe média, passou de 34% em 2005, para 36% em 2006 e chegou a 46% em 2007. As classes D e E encolheram mais ainda do que a classe A, passaram de 51% em 2005, para 46% em 2006 e 39% em 2007. Isso significa que quem cresce é a classe média, a classe C.
Segundo Frank Vignard Rosez, 20 milhões de pessoas (o equivalente ao dobro da população de Portugal) deixaram as classes D e E e passaram para a classe C nos últimos três anos. Rosez disse que, para crescer em bases sólidas e de forma sustentada, uma economia precisa ser puxada pela classe média.
“Só você tendo uma grande massa, na verdade um grande estrato de consumidores com uma renda média e que tenha vontade, que tenha sonhos de ascender, que você consegue sustentar uma economia. Uma economia não pode ser puxada por 10% ou 20% da população. Uma economia tem que ser puxada realmente pela base. E é o que a gente vê ocorrendo nos últimos anos”, disse Rosez.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Frank, em primeiro lugar, quem são vocês da Cetelem?
A Cetelem é o Braço de consumo do banco BNP Parribás...
Que é um banco forte na França.
Exatamente, é um dos maiores bancos franceses. E a Cetelem realmente tem essa posição entre o consumidor final e o varejista e por isso consegue detectar rapidamente mudanças nas tendências do consumo e do consumidor, que é o que a gente vem observando no Brasil nos últimos anos.
Quer dizer que, sobretudo, vocês estão preocupados com essas variações do comportamento do consumo no Brasil para recomendar ações aos seus clientes?
Exatamente, a gente tenta detectar essas tendências para nos antecipar para ter produtos adequados e serviços melhores para os nossos parceiros.
E nessa, digamos, arqueologia, vocês acabam descobrindo que a economia brasileira mostra agora esse fenômeno novo que é o da expansão, do revigoramento da classe média.
É um fenômeno impressionante. Quando a gente olha os últimos três anos, e a gente publica essa pesquisa em 15 países, desde 1989, quando a gente olha os últimos três anos no Brasil, vê que são quase 20 milhões de brasileiros que saíram das classes D e E e se ascenderam para a classe C. São quase dois Portugais inteiros.
Vamos ver a pesquisa que vocês fizeram e o que essa pesquisa revelou. Vamos falar da expansão classe média, distribuição da população brasileira por classe de consumo em porcentagem: de 2005 a 2007, as classes A e B, somadas, passaram de 15% em 2005, para 18% em 2006 e caíram para 15% em 2007. A classe C, a nova classe média, passou de 34% em 2005, para 36% em 2006. E vejam só que pulo esse movimento impressionante a que o Frank se referiu, foi para 46% em 2007. As classes D e E encolheram mais ainda do que a classe A, passaram de 51% em 2005, para 46% em 2006 e 39% em 2007. Quem cresce é a classe média, a classe C. Foi esse então o movimento de dois Portugais que mudaram de posição, as classes D e E para a classe C brasileira. Esse número pessoas, quantas pessoas são, Frank?
São maios ou menos 20 milhões de brasileiros.
Vinte milhões de brasileiros. E o que significa em termos de renda a classe C? Quem são essas pessoas no pacote de 46%?
A classe C tem uma renda média por volta de R$ 1,1 mil, R$ 1,2 mil. Lógico que varia dentro dessa média. E ela tem o que a gente chama de renda disponível, ou seja, aquilo que sobra no final do mês por volta de R$ 150.
E o que a classe C brasileira passou a fazer com essa renda disponível de R$ 150 por mês?
É um consumidor que continua querendo equipar o seu lar, um pouco se espelhando no jeito de viver da classe A/B. Então, a primeira coisa que ele quer comprar é um eletrodoméstico, um móvel. E o crescimento de todas essas cadeias, inclusive regionais, de eletrodoméstico e móveis. Agora, o que se destaca em termos de evolução, de crescimento, são as intenções de consumo de computadores para casa, telefonia celular, que os dois saíram de um quinto de intenção para compra para um quarto. Quer dizer, 25% desses consumidores querem comprar. Para quem mexe com varejo é extremamente interessante, principalmente celular. A gente vê que hoje é difícil encontrar uma pessoa que não tenha celular.
E o que significa essa intenção de 25% dos membros da classe C querem comprar computador, qual o impacto que isso pode ter?
Isso é bastante interessante. Na verdade, é um fenômeno que vem crescendo muito nos últimos tempos. E o resultado disso é que a gente observa mais de seis milhões de novos internautas, que são justamente vindos dessa classe C e para o comércio varejista virtual é um potencial enorme porque esses consumidores ainda não viraram o que a gente chama de e-bayers, e-consumidores pela internet, onde são quase seis milhões de clientes potenciais que estão circulando pelas lojas e ainda não compraram naquelas lojas até porque o consumidor de classe C tem que ter uma linguagem diferente e a gente está falando de uma renda por volta de R$ 1,2 mil, você tem que ser capaz de dar crédito como se dá crédito nas lojas físicas, com a mesma facilidade e a mesma rapidez de uma loja física.
Agora, Frank, sua pesquisa mostra que as classes A e B caíram para 15% do total, elas passaram de 25% para 15%, não é isso?
As classes A e B voltaram para o patamar de dois anos atrás...
Na verdade passaram de 15% para 18% e de 18% para 15%. Eu pergunto: por que diminuiu o espaço das classes A e B, elas perderam renda?
Olha, o que a gente percebe é que, apesar desse movimento, a gente entende também que 2006 é um ano atípico por ser um ano eleitoral e às vezes você tem um pouco de pico, onde as pessoas conseguem aumentar temporariamente a renda. Mas o que é importante nas classes A e B é que o otimismo que não se via nos anos anteriores começa a surgir esse ano, ou seja, as classes A e B começam a entender que o Brasil está melhor. E ela recuperou o atraso porque isso já vinha acontecendo há dois anos com as outras classes.
Mas eu posso dizer, a partir da sua pesquisa, que o crescimento da classe C se dá em prejuízo, ainda que pequeno, das classes A e B?
Olha, o que aconteceu é que a população do Brasil cresceu também. O que a gente vê é que em número de habitantes, de pessoas, e físicos, que é o que importa no fim, a gente vê quer a classe D e E se reduziu em 20 milhões, que é justamente o aumento da classe C nesse período. Então, na verdade, esse fenômeno de crescimento da classe C é realmente um fenômeno de ascensão social que é muito da classe D para a C. Agora, a pergunta é: como fazer com que esse grupo de consumidores da classe C possam ascender para a classe A e B. Aí já é mais complicado porque a grande diferença entre essas duas camadas sociais é a educação, é uma formação superior. E isso não se resolve de um dia para o outro.
Agora, nós observamos no estudo original da pesquisa da Goldman Sachs, feita pelo economista chefe da Goldman Sachs, o Jim O’Neill, ele tem um estudo que deu origem a esses números a que me referi no início, chamado sobre a “expansão do meio”, “the expanding middle”, quer dizer, o meio que cresce. Ele fala que esse fenômeno do crescimento do meio é um fenômeno mais ou menos universal, ele não é só brasileiro, evidentemente, ele ocorre na China, na Índia e em vários países em desenvolvimento. E ele provoca também um fenômeno que é a redução da desigualdade de renda, ou seja, o Brasil era um país onde a distância entre o muito rico e o muito pobre era muito grande e essa distância diminui e está havendo uma redução também entre a renda dos países muito ricos e os países mais pobres. Eu pergunto: você, com essa pesquisa aí, você percebe essa redução da desigualdade?
Sim, a gente percebe justamente por essa passagem das pessoas de classe D para classe C, a gente percebe isso trabalhando com varejo também. A gente vê, é uma tendência mundial, o país que começa crescer muito e de maneira sustentável ele normalmente se baseia numa classe média bastante extensa. E o resultado disso é que fica muito mais difícil de você manter riquezas muito grandes, porque começa a surgir uma massa de empreendedores que começam a ceder à riqueza e que fazem um contrapeso a uma minoria normalmente que controla a economia. Então, a tendência é de ter realmente uma redução da desigualdade...
E nesse conjunto impressionante de dois Portugais, de 20 milhões de pessoas, que entraram para a classe C brasileira, você localiza aí alguns empreendedores, como você mencionou?
Há no Brasil até uma cultura um pouco mais empreendedora do que em alguns países da Europa.
Por quê?
Porque é um pouco da cultura do brasileiro, o brasileiro gosta, e também da dificuldade de encontrar emprego às vezes.
Agora, você disse que o brasileiro, se eu posso traduzir o que você falou, é mais empreendedor do que o europeu?
O brasileiro tende ser um pouco mais otimista do que o europeu, a gente mede no observador...
E como está o otimismo do brasileiro, tirando os corintianos?
É o recorde dos últimos três anos. A gente pede para o brasileiro dar uma nota de zero a dez sobre a situação do país. Dez sendo o céu, zero sendo o inferno. A nota média foi de 5,3, que pode parecer uma nota média, pode parecer que o Brasil está médio, mas é bem acima, por exemplo, quando a gente olha Portugal [...], os pessimistas devem ter ficado lá, porque a nota média lá é 3,1. Já o país mais otimista que a gente mapeia é a Bélgica, que tem uma média de 6,3.
Então nós estamos perto da Bélgica?
Estamos mais perto da Bélgica do que de Portugal.
Agora, você fez uma associação aí que eu gostaria que você explorasse mais, que é a seguinte: a expansão da classe média assegura um crescimento econômico sustentado. O que você quer dizer com isso?
Só você tendo uma grande massa, na verdade um grande estrato de consumidores com uma renda média e que tenha vontade, que tenha sonhos de ascender, que você consegue sustentar uma economia. Uma economia não pode ser puxada por 10% ou 20% da população. Uma economia tem que ser puxada realmente pela base. E é o que a gente vê ocorrendo nos últimos anos.
Você falou que é uma etapa muito difícil sair da classe C para a classe A/B, uma vez que isso depende, sobretudo, do grau de qualificação educacional. E como se dá a passagem da classe D/E para a classe C, qual é o pré-requisito?
Aí a grande diferença é qualidade de vida. Quando a gente fala da classe D/E, a gente fala de uma renda média por volta de R$ 580, a metade da classe C. Houve também uma grande mudança nessa classe, porque quando a gente começou a mapear o Brasil, há três anos, essa classe não fechava o mês. No final de 2005 essa classe fechou o ano com um déficit, se a gente puder usar um pouco a linguagem econômica aqui. Mas é o déficit do bolso.
Isso. O Millôr Fernandes usa uma expressão muito feliz, ele diz: “tinha muito mês no fim do salário”.
Exatamente isso. Faltou naquele ano R$ 17 por mês para aquele consumidor fechar as contas, ele tinha que encontrar algum meio, pedir para algum colega ou familiar... [...] Hoje, a gente observa que esse mesmo consumidor da classe D/E fecha com um superávit, ou seja, uma sobra de R$ 20. Então ele saiu de R$ 17 de falta para R$ 20 de sobra. Pode parecer pouco R$ 20, mas entre você estar devendo R$ 20 e estar sobrando R$ 20 é uma diferença muito grande.
Agora, uma outra coisa, quando você fala que a renda disponível é alguma coisa perto de R$ 100, você leva em consideração que isso é R$ 100 que ela tem para consumir. Mas a classe C está se endividando mais também.
O que a gente percebe, a gente mapeia nesse estudo é realmente a diferença entre a renda familiar e a renda disponível, são os gastos, que a gente separa entre essenciais e não-essenciais. Os gastos essenciais são basicamente alimentação, higiene, a saúde emergencial. Nos gastos não essenciais entra itens que não é que a gente pode ficar sem. Por exemplo, entra itens como vestuário, não dá para você ficar sem roupas, mas dá para você gerenciar melhor. E o segundo maior item nas despesas não essenciais são realmente as prestações de crédito. Agora, quando a gente olha a evolução, essa prestação vem diminuindo ao longo dos últimos três anos. Isso não significa que o brasileiro está se endividando menos, mas significa que a parcela vem diminuindo.
Parte da dívida diminui no todo da renda?
Exatamente.
Mas o brasileiro está se endividando mais.
O brasileiro está se endividando mais, mas está alongando o prazo...
Isso é uma boa notícia?
É uma boa notícia. Quando a gente olha os países desenvolvidos e hoje acho que o Brasil, muitas vezes, até poderia se posicionar como um país desenvolvido...
Já nos sentimos assim.
E temos por que. Quando a gente poderia quase, em vez de falar que somos os primeiros dos emergentes, poderíamos dizer que estamos lá no grupo dos desenvolvidos. Talvez não como o primeiro...
Fonte: Conversa Afiada
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